Há 20 anos atrás um miúdo de 9 anos estava na sala, colado à televisão Phillips a ver a corrida de Fórmula 1, tal como fazia aos Domingos e levantou-se para aumentar o volume (ainda não tinha comando à distância), porque o seu herói tinha tido um acidente. Não era normal aquele menino estar sozinho a assistir à F1, mas aquele fim de semana era um fim de semana triste para a família: um dos membros próximos do rapaz, o padrinho, estava no hospital e por isso o pai não estava com ele na sala. A mãe estava na cozinha a lavar a louça, depois de um almoço rápido.
Quando aquele menino, em Portugal, se apercebeu que o acidente do seu grande herói, aquele que estava espalhado pela sua parede, em poster, era mesmo muito grave, chamou a mãe, que como quase todos que conhecia, gostava de ver o brasileiro a pilotar. Junto com a mãe, o menino ficou em suspenso, à espera que o homem do capacete amarelo se levantasse e começasse a acenar ao público de Imola. Tardava em acontecer... e não voltou a acontecer.
Aquele menino era eu e lembro-me como se não tivessem passado 20 anos, daquele malfadado dia. Aqueles dias foram difíceis para a minha família. Maio de 1994, ficou gravado para sempre na memória. Eu tinha um poster do Senna, que tinha saído numa revista qualquer, que estava preparado para ir para a parede, mas por falta de tempo não chegou a ir. Ficou numa gaveta de um armário no meu quarto de criança e depois do acidente na Tamburello nunca mais saiu de lá. Há uns tempos abri a mesma gaveta, na casa da minha mãe e o poster ainda lá estava: Senna de capacete amarelo dentro do cockpit do Williams, o seu último carro, ainda na box.
Depois da morte de Senna, houve um divórcio entre mim e a F1, até que um certo senhor finlandês, que por acaso foi colega de Ayrton Senna, chamado Mika Häkkinen, a.k.a., The Flying Finn, em 1998, fez com que este rapaz nunca mais se distanciasse da Fórmula 1, mesmo com a hegemonia de Michael Schumacher, de quem não era apreciador.
A verdade é que comecei a ver F1 com Senna, adorava o brasileiro, tal como milhões de portugueses. Os Domingos eram isso mesmo, ver Senna a correr o espectáculo estava garantido. Mas Ayrton era mais que um piloto de F1. Foi o homem que deu esperança aos brasileiros, que os uniu, por isso aquele povo encheu as ruas na passagem do caixão. Aos portugueses Senna deu a ilusão que também era nosso: passava muito tempo em Portugal, falava português e tinha sangue quente, tal como nós. O meu herói era o herói de milhões espalhados pelo Mundo, mesmo daqueles que nunca o viram a correr.
Como é possível que ainda se fale de Ayrton Senna, 20 anos depois da sua morte, depois de Schumacher ser 7 vezes campeão do Mundo de F1, 5 épocas consecutivas, de Sebastian Vettel ser tetracampeão do Mundo e arrasar com a concorrência? Como se explica que pilotos actuais como Hamilton e Raikkonen, sejam declaradamente fãs de Senna quando já têm uma legião de fãs que os seguem? O fenómeno que era o brasileiro vivo, aumentou quando morreu...passou a ser um Mito.
Muitos pilotos contemporâneos de Senna dizem que o paulista foi o melhor e mais completo piloto de todos os tempos, para mim foi de certeza. Gostava de assistir às grandes corridas que devem acontecer no céu neste momento. Já pensaram o que deve ser, ter na mesma pista Senna, Clark, Villeneuve, Ascari, Mclaren, Rindt, de Angelis e Ratzenberger? Apenas para nomear alguns dos pilotos que morreram em pista, naquela que é modalidade que adoramos. Todos eles assistidos por Sid Watkins, o médico mais conhecido pelos amantes da F1.
Pedro Mendes
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